The Air-Conditoned Nightmare, 2021
UMA LULIK_

Para receber “The Air-Conditioned Nightmare”, a pequena sala da galeria tornou-se um quarto escuro onde uma utilização cirúrgica da luz deixa ver um labirinto de presenças inquietantes. Com a intimidade dos nichos religiosos, espalham-se pela sala várias figuras brancas, feitas em gesso. Quando nos aproximamos, descobrimos que são moldes de animais dissecados (um coelho, um peixe, um galináceo, um lagarto), que exibem vísceras como se fossem flores amadurecidas que nos atingem a partir de alturas da parede ou dependuradas do teto.(...) Mas é no centro da sala que se encontra a aparição mais exuberante. Sobre uma mesa de rede, uma carcaça verdadeira de vaca mostra-se radial como uma águia de asas abertas. O que nos oferece ou sugere esta pictórica figuração da morte? Por um lado, ela desenha esse teatro aurático da abjeção que nos atinge, fixando uma calculada distância entre a repulsa e o voyeurismo.(...) O que nos sugere é, talvez, que regressemos àquele fundo quase imemorial da nossa cultura onde encontrámos a capacidade de transformar violências tangíveis em imagens, onde descobrimos como pôr coisas confortavelmente longe de nós por perto que estejam.

Entre o susto e o sonho de Celso Martins in Jornal Expresso


Vista geral da exposição "The Air-Conditioned Nightmare" na Galeria Uma Lulik, 2021

Vista geral da exposição The Air-Conditoned Nightmare na Galeria UMA LULIK__, 2021


Por detrás da vidraça, o limbo entre o observador e o bloco operatório, o mascar de uma pastilha avermelhada. O sabor agridoce realça o nervosismo perante o decorrer da cirurgia de risco. Poderia ser um ente querido, mas o desgosto reside em saber que aquele ser poderá morrer sozinho.

Desmembrar, desventrar, dissecar são verbos que desmantelam a complexidade da unidade ontológica. “Ser” não é um “pedaço” mas um todo.

Quando reduzidos a pó, matéria elementar à vida, entramos num estado anterior ao nosso desígnio: o esqueleto. É irónico que um mamífero de grande porte ingira plâncton, metaforicamente não é mais do que poeira. Fisicamente somos pó…

Somos indissociáveis do nosso espaço — na casa, o quarto, é a mais privada divisória, onde recolhemos ao lugar íntimo da cama. Quando deitados, vemos o escuro, vemos partículas desse mesmo pó. Este leito do sonho é movediço, uma fronteira com o real — estarmos acordados é algo ténue.

– Diogo Bolota, 2021



Fig-1 What we dream we become, Esqueleto de bovino, estrado de cama lacado (no centro), 2021

Fig-2 a 5 Heads down and eyes closed, Gesso cerâmico, 2021

Fig-6 Vista geral da exposição The Air-Conditioned Nightmare na Galeria UMA LULIK__, 2021